Na CPI da Covid, Governo Bolsonaro tem que convencer as pessoas de que não errou e, se não conseguir, vai ampliar desgaste na população, diz Renan Calheiros que afirma não ter tomado “cloroquina” como fez Bolsonaro
Por Laís Alegretti
A primeira resposta a ser dada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid é quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil se o governo do presidente Jair Bolsonaro “tivesse acertado a mão”, de acordo com o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Calheiros deve ser oficializado, segundo acordo entre senadores, como relator da CPI que vai investigar “ações e omissões” do governo federal diante da pandemia de coronavírus.
“A primeira resposta (a ser dada pela CPI) é se houve materialização da tese da imunização de rebanho. A CPI vai dizer se houve ação ou omissão do governo e se isso pode ter agravado as circunstâncias. Em outras palavras: se o governo tivesse acertado a mão, quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil?”, disse o senador em entrevista.
A primeira reunião da comissão está marcada para terça-feira (27/04), quando o senador Omar Aziz (PSD-AM) deve ser escolhido como presidente do colegiado.
Calheiros disse que a CPI também vai investigar “se o governo se omitiu, deixou de fazer pré-contratos quando laboratórios produtores estavam ofertando, se estimulou aglomeração, se minimizou o papel da máscara”.
“A CPI precisa cumprir o seu papel. Precisa colaborar no sentido da agilização da vacinação e caminhar no rumo da investigação para responsabilizar ou não. Se o governo tem convicção de que acertou a mão em todos os momentos, não precisa ter preocupação, nem sobressalto, e a CPI será oportunidade para que demonstre o contrário.”
‘Meio ridículo’
Calheiros, que está sob forte pressão de aliados do presidente, diz que “não há predisposição contra ninguém”. “O presidente da República não é nosso inimigo. A nossa inimiga é a pandemia. São os porões da pandemia que vamos investigar.”
O fato de Calheiros ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, tem sido apontado por aliados do Palácio do Planalto como o que deveria ser um impeditivo para que o senador assuma a relatoria, visto que a CPI também investigará repasses a Estados e municípios de verbas federais para saúde.
“O fato que alegam, de não poder participar da CPI por ser pai de um governador, é meio ridículo. O governador não está sendo investigado e, se for – ninguém estará isento de investigação -, a comissão designará sub-relator para fazer qualquer investigação, com total responsabilidade.”
A deputada governista Carla Zambelli (PSL-SP) anunciou em redes sociais que ingressou com ação na Justiça Federal do Distrito Federal para impedir que Calheiros assuma a relatoria.
“Acabamos de ingressar com ação na Justiça para barrar @renancalheiros na relatoria da CPI. A presença de alguém com 43 processos e 6 inquéritos no STF evidentemente fere o princípio da moralidade administrativa. Outros parlamentares também ingressarão com ações”, escreveu a deputada em sua conta no Twitter.
Calheiros diz que a judicialização antes de a CPI começar “só fortalece o trabalho da comissão”. No entanto, o senador admite a possibilidade de designar sub-relatores para cuidarem de temas específicos.
“A alternativa a isso (sub-relatorias) seria fazer investigação sobre amigos próximos, o que me deixa nessa zona da suspeição, e sobre familiares também. O prudente, para de logo afastar essa possibilidade, é designar sub-relatores e reafirmar que não decidirei monocraticamente nada, absolutamente nada.”
E afirma que poderia aceitar deixar na mão de aliados do Palácio do Planalto a linha de investigação que interessa mais a Bolsonaro, que é a aplicação de recursos originados da União e enviados a Estados e municípios.
“Em havendo necessidade da indicação de sub-relatores, vamos indicar de acordo com a pluralidade da comissão. Não vamos indicar apenas pessoas da nossa corrente.”
Questionado se, assim, a sub-relatoria relativa aos Estados poderia ficar com um senador alinhado ao Planalto, respondeu: “Se for necessário, sim”.
A apuração da aplicação de recursos por Estados e municípios, incluída posteriormente como objeto da CPI, foi defendida por Bolsonaro, inclusive em áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).
Desgaste
Calheiros diz que o governo federal está tratando a CPI de forma equivocada.
“Se o governo aproveitar melhor o espaço na CPI para demonstrar o contrário do que a sociedade pensa, será melhor. Será muito mais produtivo do que o governo arrastar a instalação da CPI, que deveria ter sido instalada em fevereiro”, diz.
“O governo está tratando equivocadamente esta questão, tem que aproveitar a oportunidade para convencer as pessoas de que não errou, de que fez tudo certo, na hora certa. Se não conseguir, paciência, vai ampliar o desgaste na população.”
Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março mostra que 54% dos entrevistados avaliam como ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro na gestão da pandemia e 22% consideram ótimo ou bom.
A importância do tema da CPI e o fato de ela acontecer um ano antes da próxima eleição levam a comissão a ser considerada a principal vitrine política dos próximos meses.
Calheiros diz que a tentativa de atrasar os trabalhos da CPI aproxima ainda mais os resultados da comissão às eleições de 2022.
“Na medida em que o governo delonga a instalação da CPI, colabora para que desfecho vá para diante. Teremos no próximo ano eleição nacional e, na medida em que os trabalhos da CPI cheguem mais próximos das eleições, é evidente que isso, de uma forma ou de outra, vai impactar.”
E o senador tomou cloroquina, defendida pelo presidente Bolsonaro, em algum momento?
“Não tomei porque entre a crença e a ciência, sigo a ciência. Não tive coronavírus, tomei a primeira dose da vacina, estou pacientemente aguardando a segunda dose, mas nunca me expus a pré-tratamento exatamente para não complicar minha situação.”
Via BBC Brasil