Segundo reportagem da Agência Pública, 19 influenciadores de redes sociais receberam cachê do governo para propagandear que os seguidores deveriam cobrar do médico “tratamento precoce” contra covid-19
Vermelho – A Secretaria de Comunicação (Secom) e o Ministério da Saúde (MS) gastaram mais de 1,3 milhão de reais em ações de marketing com influenciadores digitais para divulgarem o infame “tratamento precoce” proposto pelo governo Bolsonaro para contaminados pelo novo coronavírus. Nenhum deles deveria ou precisaria falar em isolamento social, apenas sobre o tratamento que é considerado ineficaz e perigoso para cientistas de todo o mundo, além do uso de máscara e álcool gel.
Segundo investigação de Giovana Fleck e Laís Martins, da Agência Pública, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram investidos mais de R$10 milhões em marketing de influência pelo Ministério da Saúde, segundo os dados obtidos pela reportagem.
De R$ 1,3 milhão investido na campanha ‘Cuidados Precoce Covid-19’, R$ 85,9 mil foram destinados ao cachê de 19 celebridades da internet contratados para divulgar estas campanhas em suas redes sociais. Em janeiro deste ano, a Secom contratou quatro influenciadores, que receberam um montante de R$ 23 mil para falar sobre “atendimento precoce”. A verba saiu de um investimento total de R$19,9 milhões da mesma campanha.
No roteiro da ação, obtido pela Agência Pública através de um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Secom orientava os perfis de Instagram sobre a quantidade de posts e stories dizendo aos seguidores que, caso apresentassem sintomas da Covid, era importante procurar imediatamente um médico e solicitar um atendimento precoce. O roteiro não menciona os medicamentos do protocolo de atendimento precoce do governo, que inclui cloroquina e ivermectina.
Ironicamente, o texto do roteiro fala em combate à fake news sobre a pandemia. No dia 16 de janeiro, uma postagem do Ministério da Saúde no Twitter foi marcada como “publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à COVID-19” por mandar os cidadãos que tivessem sintomas buscar uma UBS e solicitar o “tratamento precoce”. Veja abaixo:
As ações publicitárias coincidem com o colapso do sistema hospitalar em Manaus, quando o Ministério orientou a Saúde local a difundir o “tratamento precoce”. Segundo texto do ofício, o tratamento tem “a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde”.
Toda a documentação confunde a diferença entre atendimento precoce e tratamento precoce, propositalmente. Para evitar a associação imediata com os medicamentos, algumas peças falam em atendimento precoce, embora as únicas medidas preventivas contra o vírus orientadas em todo o mundo, envolvam apenas uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social.
Paralelamente à ação com influenciadores liderada pela Secom, o Ministério da Saúde lançou a plataforma “TrateCov”, que recomendava cloroquina até para bebês. O Conselho Federal de Medicina pediu, em nota, que o aplicativo fosse removido “imediatamente” pelo Ministério. O aplicativo saiu do ar em 20 de janeiro, menos de uma semana depois de seu lançamento.
No dia 15 de janeiro de 2021, a Secom realizou uma reunião cujo tópico era ‘Influenciadores’, segundo agenda do coordenador-geral de Mídia, Luiz Antônio Oliveira Alves. A Agência Pública solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a ata da reunião. Na resposta, a Secom afirmou que não é de praxe manter ata ou gravação de reuniões, por se tratar de assuntos internos e rotineiros, mas esclareceu que nesta reunião discutiu-se “questões envolvidas no emprego de influenciadores digitais como complemento aos esforços de mídia das ações de divulgação desta Secretaria.”
O processo de contratação de influenciadores envolve agências licitadas pelo Executivo, como Artplan, Calia e NBS, que fazem a intermediação. As três seguem ganhando licitações anuais do governo desde, pelo menos, 2017. A Artplan, cliente da empresa de marketing do antigo chefe da Secom, Fabio Wajngarten, recebeu o maior número de verbas publicitárias em 2019.
Outra campanha do MS com influenciadores:
Uma resposta para “Saúde gasta com “famosos” para propaganda de “tratamento precoce””